Seminário da “Aliança pela Agroecologia” debate tendências da cooperação para o desenvolvimento rural

 

Da esq. para dir.: Dirce Ostroski, Thierry Durdemel, Dulclair Sternadt, Jorge Romano, Alexandre Menezes, Mariana Oliveira e Fernanda Thomaz da Rocha

Da esq. para dir.: Dirce Ostroski, Thierry Durdemel, Dulclair Sternadt, Jorge Romano,
Alexandre Menezes, Mariana Oliveira e Fernanda Thomaz da Rocha

 

AS-PTA/Brasil –

Por Claudia Guimarães

O futuro da cooperação para o desenvolvimento rural na América Latina foi o tema do último painel do Seminário da Aliança para a Agroecologia, realizado em Brasília, no dia 5 de maio de 2017, que reuniu representantes de agências de cooperação internacional e de órgãos de fomento brasileiros.

Os desafios para se acessar recursos internacionais, os novos modelos e atores das parcerias, as crescentes exigências para a celebração de acordos foram alguma das questões debatidas pelos expositores, que, ao final, também responderam perguntas do público.   

A visão da ActionAid Brasil

O mediador da mesa, Jorge Romano, coordenador da Actionaid Brasil, abriu o painel, traçando o cenário das tendências da cooperação internacional. Afirmou que, ao contrário do que muitos pensam, os recursos destinados a esse fim têm aumentado, mas reconheceu que houve uma mudança na arquitetura, prioridades e modalidades desses acordos.

Segundo relatou, o destino principal dessa ajuda tem sido os países mais pobres e populosos – especialmente os da África Subsaariana – e que, muitas vezes, os recursos são alocados para entidades do Sul, sem a intermediação de organizações com o perfil, por exemplo, da ActionAid. “Há um papel crescente do setor privado, que se torna parceiro, agente e destinatário da ajuda voltada para a cooperação internacional”, afirmou, ressalvando, no entanto, que há cada vez mais críticas na Europa ao fato de se destinarem esses recursos a atores do mercado que só visam ao lucro.

O coordenador da ActionAid Brasil assinalou também que há uma maior complexidade dos mecanismos de financiamento. Como parte desse processo, disse, tem aumentado o nível de exigência na área de compliance, com regras muito mais rígidas para a liberação de recursos. “Há uma crescente ênfase na transparência: receitas e despesas têm que ser amplamente publicizadas”.

Outro foco, atualmente, é a alocação dos recursos em projetos que envolvam consórcios, em um desenho que inclui novos atores – em comparação aos que tradicionalmente recebiam essa ajuda. Nesses acordos, os recursos são destinados a setores do governo, da área privada e órgãos de pesquisa, entre outros. Também lembrou que os recursos para a cooperação estão cada vez mais atrelados a interesses nacionais dos governos do Norte. 

Jorge Romano mencionou ainda uma nova abordagem, por parte dos órgãos doadores, que prioriza o pagamento pelos resultados só efetivamente alcançados. Na prática, explicou, a transferência de recursos nesse modelo termina indo apenas para entidades que tenham condições para pré-financiar seus projetos e aguardar posterior pagamento pelo doador. Também afirmou que há uma ênfase na inovação, orientada pelo discurso hegemônico que prega, por exemplo, mais informatização da gestão para diminuir custos.

União Europeia: foco no combate aos efeitos das mudanças climáticas

Thierry Durdemel, chefe da Seção de Desenvolvimento e Cooperação da União Europeia – cofinanciadora da Aliança pela Agroecologia – começou sua exposição destacando que a entidade está muito satisfeita com os resultados do projeto: “A ação da Aliança não se limita a benefícios localizados e pontuais, mas chega aos tomadores de decisão. Tem um ganho em escala, ao influenciar as políticas públicas nos países em que atua. Do ponto de vista do doador de recursos, isso tem uma relevância enorme”.

Afirmou que a Aliança pela Agroecologia apresentou propostas inovadoras, nos diferentes níveis – local, regional e nacional –, acrescentando que o projeto tem um importante elemento de transversalidade.  Ressaltou, ainda, o seu papel na capacitação da população rural para que tenham condição de intervir nas políticas públicas e captar recursos para seus projetos.  

Em relação à visão sobre cooperação internacional exposta antes por Jorge Romano, Thierry Durdemel concordou em linhas gerais, mas salientou que há outros elementos alentadores, citando a Agenda 2020, os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) e os Acordos do Clima de Paris. “A União Europeia tem vocação para trabalhar questões globais, como o clima e a proteção da biodiversidade. Isso se traduz em mais financiamento da nossa cooperação, a nível regional, com ênfase em mudanças climáticas”.

Therry Durdemel mencionou ainda que a União Europeia definiu eixos prioritários de financiamento para projetos na América, que resultaram em dois editais, com os seguintes temas: floresta, biodiversidade e ecossistemas, e produção alimentar resiliente (como fazer com que agricultores, principalmente os familiares, possam lidar com as alterações do clima). Também se referiu aos programas Bens Públicos Mundiais e Biodiversidade pela Vida, este último realizado em parceria com as populações locais. “A abordagem dessas iniciativas é a de que o desenvolvimento local deve respeitar o meio ambiente”, enfatizou.

FAO: mais ênfase no trabalho com políticas públicas

“Por décadas, estimulamos o aumento da produção agropecuária com o objetivo de alimentar a população. Mas essa estratégia deu certo apenas num primeiro momento. Com o passar do tempo, fizemos uma correção de rumo e hoje estamos trabalhando mais com políticas públicas”, afirmou Dulclair Sternadt, coordenadora de projeto do Escritório Regional da FAO para a América Latina e o Caribe, no Chile.

“Vimos que não bastava só dialogar com governos. Por isso, também incluímos organizações da sociedade civil, setor privado e academia no debate para superar os problemas da pobreza, da fome e da desnutrição”. A coordenadora de projeto da FAO ressaltou o papel da agroecologia nesse processo: “O interessante da inclusão da agenda da agroecologia no âmbito da FAO é que ela trouxe a ideia de uma governança ampliada. É uma agenda muito inovadora”, destacou, acrescentando que a agroecologia tem um potencial muito grande para mudar os sistemas agroalimentares do mundo.

Para Dulclair Sternadt, é importante ainda lembrar que os consumidores também são vítimas do sistema agroalimentar dominante. Por isso, ressaltou, são aliados fundamentais para a sua transformação, ao exigirem, entre outros pontos, a rotulagem correta dos alimentos, o acesso à comida saudável nas escolas e a regulamentação da publicidade infantil.

Por último, Dulclair Sternadt ressaltou que a FAO é uma agência de apoio técnico aos governos, e não de cooperação: “Nossas ações são resultado de consensos entre os países. Ou seja, a posição da organização reflete as posições dos governos ali representados. É um papel muito centrado na articulação política”.

Terre des Hommes Schweiz: apoio à luta para alcançar os ODS

Em sua exposição, Alexandre Menezes, coordenador no Brasil da organização suíça Terre des Hommes Schweiz, lembrou que o fato de a América Latina estar recebendo menos recursos que a África não é novo. “O foco da ajuda tem sido, realmente, os países mais pobres que sofrem situações de muita violência. Mas a ajuda para os países da África, por parte das agências de cooperação, sempre foi algo como três vezes maior”.

Segundo ele, o que há de novo, no cenário atual da cooperação internacional, é a maior aproximação dos doadores com governos e setor privado; as fusões de agências e a abertura de escritórios regionais; e a criação de redes globais, entre outras mudanças.

Alexandre Menezes assinalou que, mesmo priorizando a atuação em países mais pobres, as agências permanecem atuando nas nações emergentes para promover mudanças estratégicas em relação a desafios internacionais, como o clima e os sistemas alimentares.

Sobre o tema das mudanças climáticas, defendeu que haja um novo direcionamento. “Temos que repensar essa questão, especialmente no que se refere à água. Até agora, tivemos baixa interlocução internacional nessa área. Deveríamos estreitar relações com as organizações que promovem ações de mitigação e adaptação às mudanças climáticas. Buscar nexos entre mudanças climáticas e as lutas das populações pobres, convergindo para se alcançar os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS). Temos que identificar onde o enfrentamento das mudanças climáticas tem sido também o enfrentamento à pobreza”, enfatizou.

Ainda em relação aos ODS, Alexandre Menezes afirmou que a luta por essas bandeiras representa “um momento de avanço de convergências, que devemos reforçar. Todos esses pontos podem fazer parte de uma pauta mais progressista dentro dos governos nacionais”. Isso não significa, segundo ele, que não haja críticas aos ODS, quando, por exemplo, apontam que o grande problema é a pobreza, sem se discutir a concentração de renda. “Não concordamos com o entendimento de que é através do crescimento econômico que a pobreza será resolvida. Também defendemos que as discussões sobre o meio ambiente se deem dentro de um debate mais amplo sobre o modelo de desenvolvimento”.

A situação no Brasil

O painel terminou com a exposição de representantes de órgãos de fomento brasileiros.  Entre eles, estava Mariana Oliveira, da Fundação Banco do Brasil, que lembrou que já há alguns anos a instituição vem apoiando a agroecologia. “Hoje, destinamos recursos para 134 projetos, num valor de R$ 68 milhões de reais, que – somados a outros projetos – totalizam R$ 97 milhões”.

A principal linha de fomento à agroecologia é o Ecoforte, programa que integra o Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (Planapo) e visa o fortalecimento e a ampliação das redes, cooperativas e organizações socioprodutivas e econômicas de agroecologia, extrativismo e produção orgânica. Segundo explicou Mariana Oliveira, os recursos do Ecoforte são oriundos da Fundação Banco do Brasil, do Fundo Amazônia e do Fundo Social do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).

Para Fernanda Thomaz da Rocha, representante do BNDES, a elevação das exigências de compliance e as parcerias público-privadas na área da cooperação internacional – mencionadas anteriormente por Jorge Romano, da ActionAid Brasil, ao abrir o painel – também são tendências que se verificam no Brasil. 

Ao traçar um panorama dos projetos que trouxeram avanços reais na área rural, Fernanda Rocha destacou os programas “Água para todos” e “Um Milhão de Cisternas” (P1MC): “Foram um marco no país. Descentralizaram e democratizaram o acesso à água, promovendo mais qualidade de vida para as famílias rurais de baixa renda. São experiências que trazem diferentes olhares e são gestadas pela própria sociedade civil. Partem da concepção de que o importante não é apoiar o trabalho de um grupo isoladamente, mas de uma rede, ancorada numa perspectiva territorial”, disse Fernanda.

“Nosso objetivo é promover a circulação de conhecimentos e boas práticas”. Assim resumiu Dirce Ostroski a missão do Semear, programa desenvolvido no Semiárido do Nordeste brasileiro, fruto de uma parceria entre o Fundo Internacional para o Desenvolvimento Agrícola (FIDA) e o Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura (IICA), com o apoio da Agência Espanhola de Cooperação Internacional para o Desenvolvimento (AECID).

Entre as principais atividades desenvolvidas pelo Semear, segundo relatou Dirce, estão a produção e disseminação de conteúdos temáticos, atividades de intercâmbio, feiras de conhecimento, fóruns e oficinas.

“Estamos tratando de identificar sinergias entre organizações da região para a gestão do conhecimento visando uma melhor convivência da população rural com o Semiárido.

Nesse sentido, a estratégia que melhor tem funcionado é o trabalho com as redes de colaboração e com os gestores públicos”, disse Dirce Ostroski. Ela também destacou que o programa promove o protagonismo juvenil e a valorização do papel das populações locais e de seus saberes no desenvolvimento sustentável da região.

Projeto Aliança: desejo de continuidade

Brasilia/DF 03/Maio/2017 - Seminario Alianca pela Agroecologia. Foto de Ubirajara Machado

Gabriel Fernandes, assessor técnico da AS-PTA e coordenador do Aliança pela Agroecologia

Ao encerrar os painéis do Seminário, o coordenador do projeto Gabriel Fernandes, assessor técnico da AS-PTA, fez um agradecimento especial à União Europeia pelo cofinanciamento do Aliança e a ActionAid Brasil, que ajudou, anos atrás, o projeto a tomar forma.

Expressando o sentimento geral entre todos os participantes do Aliança pela Agroecologia, disse que o desejo é de continuidade. “Os resultados demonstram que trilhamos o caminho certo. Conseguimos cumprir com bastante êxito o desafio que nos foi colocado três anos antes, quando lançamos o Aliança. Hoje, estamos concluindo um ciclo e inaugurando um novo processo de articulação”, enfatizou.

De forma emocionada, o assessor técnico da AS-PTA lembrou também que “a história do nosso continente já foi descrita, um dia, como a de ´veias abertas´, fruto de um processo que nos separou e fragmentou. Mas iniciativas como esta vão no sentido contrário: o de aproximar essas ´ilhas de agroecologia´, conectando e diversificando nosso arquipélago e ampliando nossas referências e fontes de aprendizado”.

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