“Sem feminismo não há agroecologia”

AS-PTA/Brasil –

Por Claudia Guimarães

Qual é a visão dos movimentos sociais sobre a agroecologia? Para debater essa questão, o Seminário da Aliança pela Agroecologia  – evento realizado em Brasília, entre os dias 3 e 6 de maio de 2017 – convidou três expositores, que traçaram um painel das questões sociais, políticas e econômicas que se entrelaçam com a promoção da agroecologia.

Manuel Morales, coordenador nacional do Programa De Campesino a Campesino, da Unión Nacional de Agricultores y Ganaderos (UNAG) – organização que forma parte da Aliança pela Agroecologia na Nicarágua – relatou os avanços alcançados pela plataforma Maonic (Movimiento de Productoras e Productores Agroecológico y Orgânico), uma rede criada em 2008 na Nicarágua (para saber mais sobre sua exposição, acesse: http://alianzaagroecologia.redelivre.org.br/2017/05/seminario-de-la-alianza-promueve-intercambio-de-experiencias-exitosas-de-agroecologia).

Seminario -MST e Marcha

Da esq. para dir.: Marco Antônio Baratto (MST), Alessandra Lunas (Marcha das Margaridas) e Manuel Morales (Programa De Campesino a Campesino, da Unag, Guatemala)

Marcha das Margaridas: a luta das agricultoras agroecológicas

Já Alessandra Lunas, da coordenação da Marcha das Margaridas – ação realizada desde 2000 – ressaltou que a promoção da agroecologia deve ir junto com a luta pela igualdade de gênero. “Sem feminismo não há agroecologia”, disse, referindo-se à insígnia criada durante o III ENA (Encontro Nacional de Agroecologia), de 2015.  

Resumindo a luta das agricultoras agroecológicas, lembrou que, para elas, a resistência é dupla: ao modelo neoliberal e à cultura machista e patriarcal, que submetem a mulher. “Apesar disso, estamos construindo coletivamente um espaço de participação feminina na discussão sobre esse modelo. Se nós não garantirmos a visibilidade, a força e a contribuição das mulheres na agroecologia não estaremos avançando, mas sim perpetuando o atraso”, destacou. 

Também criticou a assistência técnica na área agrícola, nos moldes em que ela normalmente acontece no país: “A assistência que nos oferecem vai contra a nossa visão de agroecologia e não consegue enxergar o papel das mulheres nesse processo. Precisamos discutir os editais para agroecologia e continuar lutando para que neles haja um recorte para a questão de gênero”.

Alessandra Lunas acrescentou que a Marcha das Margaridas – uma ação coordenada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), pelas 27 Federações de Trabalhadores na Agricultura e por mais de 4 mil Sindicatos de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais – “traz a defesa da terra, da água e da agroecologia como tripé para garantir a produção de alimentos saudáveis” (para conhecer a Marcha, acesse: https://www.youtube.com/watch?v=-CBcEmQOVjQ).

Ela defendeu um amplo debate que discuta, entre outras, as seguintes questões: que alimentos estamos pondo na mesa? Qual é o papel da agroecologia na soberania alimentar do país? Que agricultura familiar estamos fazendo? Segundo Alessandra Lunas, o maior desafio do movimento agroecológico é quebrar a ideia de que esse sistema de produção não dá conta de alimentar a população, e que só os empreendimentos de grande escala do agronegócio teriam condições de proporcionar a comida que a sociedade demanda.

Nessa luta, assinalou, é importante que se multipliquem iniciativas como a do Aliança pela Agroecologia. “Precisamos intercambiar essas experiências e mostrar que esse projeto de sociedade é viável. Temos que fortalecer as alianças e redes, abrir diálogo direto com quem consome e quer fazer a diferença comprando produtos saudáveis, e repensar o papel da escola (hoje, a maioria das crianças acha que o leite vem da caixinha…)”, defendeu.

Por último, a coordenadora da Marcha das Margaridas afirmou que, no momento, muitas conquistas estão em xeque no país. “Há uma criminalização dos movimentos sociais e grandes retrocessos”, lamentou, citando os projetos em andamento no Congresso para liberalizar as sementes transgênicas conhecidas como “terminator”,  a titularização das áreas de reforma agrária e a compra de terra por estrangeiros.

A visão do MST

“Qual é nosso projeto político para a agricultura?” Esta foi uma das muitas questões levantadas pelo pedagogo Marco Antônio Baratto, da direção nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), no Seminário do Aliança.

Em sua exposição, ele ressaltou que a agroecologia representa não só uma alternativa de produção, “mas é uma matriz de superação do modelo que está colocado pelo agronegócio. Temos que entender o que está em jogo nesse debate, no Brasil e no mundo, na disputa pela luta de classes”.

Também defendeu que o debate sobre a reforma agrária deve envolver, necessariamente, a cidade. “Sem isso, não avança. A cidade tem que entender o que representa o modelo de agronegócio. É necessário apresentarmos à sociedade outras alternativas. Se não democratizarmos a terra, mediante a reforma agrária, dificilmente vamos conseguir mudar o modelo. Mas o agronegócio não quer que controlemos nossos territórios”.

Marco Antônio Baratto lembrou ainda a luta para fazer o camponês resgatar suas antigas práticas e produzir sem agrotóxicos. “Mas não é fácil, porque ele já esqueceu como fazer isso… Muitos deixaram de produzir de sua forma ancestral, convencidos pelas vantagens propagandeadas pelo mercado (´mudem sua lógica de produção que vão ganhar mais`…). Nesse cenário, os camponeses estão perdendo o controle das sementes. Infelizmente, a soja transgênica já chegou nos assentamentos”, reconheceu. Além disso, acrescentou, “o agronegócio se utiliza de instrumentos do Estado, como a assistência técnica, para impor sua lógica… Uma lógica que não visa alimentar a população, mas sim o controle privado e o lucro máximo”, enfatizou.

Para o educador, a promoção da agroecologia passa também pelo debate em torno da questão de gênero. “Se colocarmos em prática a agroecologia, mas não entendermos o atual papel da mulher, não vai funcionar. Porque o lugar da mulher não é na cozinha. Não é possível que as mulheres trabalhem, mas, na hora de tomar as decisões, isso caiba só aos homens”.

Marco Antônio Baratto problematizou a questão da organização do trabalho. “Quais são os instrumentos centrais da agroecologia que dão vazão aos nossos fluxos de produção? Não basta produzir só para a sobrevivência. Também não podemos seguir sob controle dos grandes mercados. A venda para as grandes redes de supermercados não pode ser a única opção. Como abrimos outros processos locais e regionais? Temos que começar a disputar os mercados regionais. Não resolverá nossos problemas, mas é um passo importante e necessário”, afirmou.

O educador popular defendeu um maior apoio a cooperativas e centrais de produtores. “É preciso organizar a produção, de ponta a ponta. Temos que dividir a produção: o agricultor não pode plantar, comercializar etc. Ele não pode fazer tudo. Mas, para mudar essa realidade, ele precisa de capacitação: estudar o mercado, dominar contabilidade e várias outras áreas do conhecimento”.

Em relação a esse ponto, lembrou que os cursos universitários obedecem à lógica do agronegócio. “Por isso, precisamos disputar esse espaço estratégico que é a universidade.  Temos que formar os camponeses para disputar esse conhecimento. Precisamos ter os nossos técnicos e nos apropriar das pesquisas desenvolvidas na universidade”.

O pedagogo destacou ainda que o agronegócio vem se apropriando cada vez mais da indústria cultural, fazendo campanhas maciças nos meios de comunicação. “Precisamos usar todos os meios – rádio, TV, internet – para fazer a contrapropaganda hegemônica. O agronegócio diz que a agroecologia é coisa do passado. E isso termina sendo internalizado”, lamentou.

Por outro lado, o MST organiza a maior experiência de produção de arroz orgânico do Brasil, e talvez da América Latina, mas isso ainda é pouco conhecido.

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FOTO do Seminário: Ubirajara Machado 

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