Agroecologia: a resistência da agricultura familiar no sertão

Numa época de mudanças climáticas, quando parte do semiárido está em processo de desertificação, a agroecologia é a saída para a agricultura familiar.

 

Por Najar Tubino –

Ouricuri (PE) – A última parte da Caravana Agroecológica da Chapada do Araripe tratou do projeto de pesquisa da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA), que na região foi realizado em quatro estabelecimentos rurais da agricultura familiar. É outra etapa, onde o método está sendo construído, elaborado, por técnicos, agricultores e agricultoras, pesquisadores de várias áreas e o movimento social. Em Ouricuri, ocorreram três oficinas. A dificuldade maior da pesquisa é levantamento de informações, basicamente, com visitas de campo às famílias e também na tipificação dos casos, afinal o assunto envolve formas diferenciadas de agricultura familiar.

Acima de tudo, é um gigantesco esforço para expressar a atividade de milhões de agricultores, agricultoras, trabalhadores e trabalhadoras envolvidas na produção de alimentos. E servir de instrumento para argumentar contra a visão da economia clássica de que a agricultura de “subsistência” desaparecerá, por não se enquadrar no capitalismo rural moderno, baseado em fertilizantes químicos e agrotóxicos. Na verdade, acontece justamente o contrário. Mesmo quando as mulheres ficaram sozinhas durante as décadas de 1960 a 1980, quando os maridos migraram para o sudeste a procura de emprego, fenômeno chamado de “as viúvas da seca”, as famílias não abandonaram a terra. Ou, quando migraram para o polo de irrigação do São Francisco, em Petrolina, voltaram novamente.

Retrato da periferia na zona rural

Os quatro exemplos não são comparados, não é esta a visão da pesquisa. O objetivo é mostrar as diferenças existentes entre sistemas tradicionais de agricultura familiar, com algum tipo de especialização e uso de insumos externo, ou totalmente agroecológico. Em Ouricuri, os pesquisadores envolvidos – Laeticia M. Jalil, Marcelo C. Cavalcante, Giovanne Xenofonte e Gerardo C. Veiga- introduziram um novo tipo, chamado de “sem-sem”. Trata-se de uma família, que vive em 1,2ha, a 12 km de Ouricuri, numa área de pastagem, com 11 filhos, tem uma renda da produção de carvão de lenha da caatinga encontrada na beira da estrada, e acessam aos programas do governo federal – Bolsa Família estão enquadrados como de alto risco para insegurança alimentar.

Dona Eliziê e seu Manoel Caúba mesmo assim mantêm uma horta, criação de pequenos animais – porcos e galinhas -, um roçado de feijão e milho, mas que depende da chuva. O filho mais velho, de 23 anos é empregado na fábrica de gesso, que utiliza da mão de obra barata dos jovens rurais e da difícil situação em estabelecimentos que não conseguiram implantar sistemas diversificados e tecnologias de convivência com o semiárido. Tem pouca participação política e social, baixa capacitação e escolaridade. É um retrato de agricultores e agricultoras, meeiros e posseiros, que vivem na zona periférica das cidades. Dona Eliziê ainda entrega parte dos benefícios sociais para o tio, que tem o título da terra, é uma espécie de pagamento pelo uso da terra.

Pai trabalhou como servo

O segundo núcleo social, como são denominados na pesquisa, é formado por José Neto, Sileide, Ivoneide, Alzenir e Nayara. O sítio da família está localizado em Exú, a terra de Luiz Gonzaga, faz parte da bacia leiteira da Chapada do Araripe. Eles têm 10 subsistemas produtivos: gado, aves, peixe, roçado – cultivo de lavoura de sequeiro -, quintal produtivo, pastagem e capineira, entre outros. O pai dele trabalhava para um grande fazendeiro, como servo, não tem outra denominação para tal condição. Junto com outros 30 moradores exerciam as atividades sem receber, apenas pelo direito de usar um pedaço de terra para cultivar alimentos. O filho do dono foi amamentado pela avó, então eram considerados irmãos de leite. Quando morreu o dono, o filho deu as piores terras para o seu Zé Neto – 100 tarefas como o sertanejo mede as suas terras – corresponde na Chapada a 1/3 de um hectare.

Mas com o trabalho e a venda em um ano bom, conseguiram comprar uma terra melhor. Já acessaram as políticas sociais, o Programa um milhão de cisternas e em 2012 luz elétrica, dentro do Programa Luz para Todos. A maioria da renda agrícola do estabelecimento vêm da pecuária leiteira – ele produz com vacas crioulas de raças adaptadas -, com a venda de leite, queijo e manteiga. Mas da renda bruta 23% é autoconsumo. Esta é uma informação detalhada na avaliação econômica da pesquisa, para justamente retratar o que é invisível nas análises da economia clássica. Autoconsumo, trocas e doações, comuns nas comunidades rurais, além da participação política e social, que traduz o grau de capacitação e aprendizado nos intercâmbios.

Dona Eliete trabalha sozinha

O terceiro núcleo é de Eliete Macedo de Oliveira, uma área de 3,5ha que ela trabalha sozinha- as duas filhas já casaram. É um estabelecimento agroecológico, extremamente diversificado, com quintal produtivo, hortas, roçado, criação de animais. Dona Eliete teve um casamento difícil, o marido não deixava ela plantar frutíferas em volta da casa porque considerava desnecessário. O casal migrou três vezes para o Vale do São Francisco, até se estabelecer na Serra da Rancharia em Araripina. Posteriormente houve a separação, e passado algum tempo o ex-marido morreu.

“- Dona Eliete é uma grande experimentadora, supersticiosa e adepta de crenças tradicionais, faz reuso da água, cultiva, preserva e armazena uma diversidade de sementes, não só vegetal, mas também de animais, como galinha de capoeira, pavão, peru”. A renda agrícola maior é da venda de aves e ovos, mas 76% da renda total é originária das atividades agrícolas.

Antes de ser um resquício são formas de resistências

O núcleo quatro foi definido como uma agricultura familiar que tende a especialização, porque mantém algumas características da agricultura tradicional e a especialização fica por conta de um pedaço de terra irrigado, onde plantam milho e sorgo. A criação de caprinos e ovinos, criados soltos na caatinga também faz parte do sistema. A família de Deusimário, Lucimara e Carla Cristina tem três fontes de água: cisterna, cacimbão e um riacho. Entretanto, a produção é feita de forma convencional com uso de fertilizantes químicos e agrotóxicos, aplicado por eles mesmos. A maioria da renda é oriunda da atividade agrícola e 34% do produto bruto é de autoconsumo. Os custos de produção superam em 36% a renda agrícola monetária. Não realizam trocas ou doações.

“- A ideia central do estudo, registra o texto dos pesquisadores, é ampliar a capacidade de análise e observação da realidade da agricultura familiar camponesa. Entender as suas lógicas organizativas, produtivas e reprodutivas. Olhar os núcleos sociais como um espaço de vida, que nele cabem muitas formas de organização, de relações de poder, que tem na relação com a terra e a natureza a forma de produzir. Organizam seu jeito de viver, guardam conhecimento, antes de ser um resquício são resistências”.

Protagonismo de mulheres e jovens

Uma das linhas da pesquisa é o protagonismo das mulheres e dos jovens. Situação complicada na Chapada do Araripe, onde parte migra para a cidade atrás de emprego na indústria do gesso, ou parte vai estudar nas escolas urbanas fora do contexto rural. Porém, o objetivo é avaliar o comprometimento de homens, mulheres e jovens com o trabalho na terra, o que pesa mais para cada um. É claro que as mulheres trabalham mais, mesmo quando dividem com o marido algumas tarefas, porque o trabalho doméstico e o cuidado com os filhos recai sobre ela. Ou, no período de estiagem, quando os maridos saem da Chapada, as mulheres tem que dar conta de tudo.

Numa época de mudanças climáticas, quando parte do semiárido está em processo de desertificação, a produção agro ecológica é a saída para a agricultura familiar camponesa. Como enfatiza Paulo Petersen, da AS-PTA:

“- A palavra chave que define a agro ecologia é uma nova visão do mundo, da economia. Não é uma questão de não participar do mercado, é preciso saber qual mercado. Também somos favoráveis que os agricultores e agricultoras intensifiquem a produção, mas de forma diversificada, com o trabalho dividido de forma igual entre homens, mulheres e os jovens. Também precisamos salientar que renda não significa apenas dinheiro no bolso. Autoconsumo também é renda, banco de sementes, estoque de plantas, biodiversidade, isso também é renda considerada invisível. A revitalização da cultura local nos territórios, do protagonismo das famílias, a livre troca do conhecimento, a valorização da criatividade. A mobilização social tudo isso está inserido na agro ecologia.”

O Projeto Promovendo Agricultura em Rede da ANA tem apoio do BNDES e da Fundação Banco do Brasil. É preciso registra que o Instituto Nacional do Semiárido em parceria com a ASA está fazendo este trabalho há três anos em 10 territórios do nordeste. E as avaliações estão quase se encaminhando para a conclusão.

Por Najar Tubino
www.cartamaior.com.br

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